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  • Foto do escritorJúlia Farias Mertins

A OMISSÃO LEGISLATIVA COMO OBSTÁCULO À CONCRETIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR POR MEIO DA R.A. NO BR

A evolução da sociedade acarretou uma série de mudanças significativas no direito das famílias no Brasil. O desenvolvimento tecnológico, atrelado ao surgimento da bioética e do biodireito, do reconhecimento de direitos reprodutivos e, essencialmente, dos direitos assegurados na Constituição Federal abriram caminhos para que novas formas de se reproduzir fossem estudadas, que não apenas pela via natural. Concomitante à evolução das novas tecnologias no âmbito da reprodução humana, as famílias brasileiras também foram sofrendo modificações, tanto de seus integrantes, como de sua função social, surgindo novas configurações familiares que, apesar de ainda não regulamentadas, estão presentes na sociedade.

Assim, a evolução das tecnologias reprodutivas juntamente com o desenvolvimento das novas configurações familiares provoca inquietudes, trazendo insegurança jurídica ocasionada pela ausência de legislação específica sobre a reprodução assistida no Brasil, levando juristas guiarem-se por normas deontológicas, destinadas a médicos e registradores, que não dispõem de qualquer força normativa.

Tal ausência legislativa acerca da regulamentação da reprodução assistida faz com que “a reprodução humana artificial seja livremente praticada, explorada e consentida, sem que nenhum controle governamental se faça valer”.[1]

A regulamentação se faz necessária nos âmbitos administrativo, civil e penal, a fim de sanar dúvidas, bem como fixar limites e sanções à utilização das técnicas de reprodução assistida como forma de procriação.[2]

O fundamental é que a lei se posicione, considerando os interesses que se encontram em jogo, a começar pelos interesses das crianças frutos de reprodução assistida. Sem a lei, nada está fora da lei, e tudo é possível, pois se se legisla sobre determinadas realidades é para estabelecer limites de ação que permitam um controle mais efetivo do Direito.[3]

Atualmente existem diversos projetos de lei em tramitação no Brasil. No entanto, são propostos sem que seja realizado um estudo com aprofundamento sobre o tema, sendo que, os projetos atualmente em trâmite são até mesmo antagônicos entre si, decorrente da falta de fundamentação para suas elaborações, não abrangendo, assim, temas essenciais à reprodução assistida no país.[4]

Cria-se um ambiente de insegurança jurídica, pois não se sabe qual será o posicionamento dos legisladores. E, enquanto não se chega a uma conclusão, as repercussões dessa inovação estão sendo concretizadas e os filhos, daí decorrentes, merecem total proteção.[5]

Ressalta-se que nenhum projeto de lei trata sobre o acesso às famílias homoafetivas, tampouco acerca da monoparentalidade projetada, o que evidencia uma tendência legislativa que, embora não seja proibitiva, implicitamente obsta o acesso às tecnologias reprodutivas por estas formas de famílias.

Assim, é necessária a normativização legal não apenas com a finalidade de regulamentar a aplicação das técnicas, mas sobretudo para “disciplinar as relações que estejam, de uma forma ou de outra, ligadas a elas, bem como fornecer elementos que possam nortear a interpretação das situações que decorrem dessa prática médica específica”.[6]

De outra banda, os incisos III, IV e V do artigo 1.597 do Código Civil tratam da presunção de filiação nas inseminações artificiais no ordenamento jurídico brasileiro quando decorrentes do casamento.

Apesar do Código Civil tratar expressa e exclusivamente do casamento, grande parte da doutrina, assim como o Superior Tribunal de Justiça, entendem que a presunção de filiação também é aplicável às uniões estáveis.

Moreira Filho afirma que “Apesar da expressão legal referir-se ao casamento, deva se aplicar por analogia e em atenção ao princípio do pluralismo, às uniões estáveis”.[7]

Também sustenta Paulo Lôbo que “A presunção de concepção do filho aplica-se a qualquer entidade familiar. A referência na lei à convivência conjugal deve ser entendida como abrangente da convivência em união estável”.[8]

Em razão disso e, a fim de suprimir a ausência legislativa, deve-se sempre atuar na prevenção das situações danosas, “[...]com a elaboração de um sistema protetivo e de controle de ações capazes de evitar os conflitos e inseguranças”.[9] e que, caso a prevenção não seja possível, haja um sistema de reparação estruturado para evitar futuros e eventuais danos.


[1] JOAZEIRO, Virginia Araujo. O biodireito no novo Código Civil e as relações de parentesco. In: COUTO, Sergio; MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (Orgs.). Família notadez: direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2007. p. 379. [2] BERALDO, Anna de Moraes Salles. Reprodução humana assistida e sua aplicação post mortem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 87. [3] JOAZEIRO, Virginia Araujo. O biodireito no novo Código Civil e as relações de parentesco. In: COUTO, Sergio; MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (Orgs.). Família notadez: direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2007. p. 380. [4] BERALDO, Anna de Moraes Salles. Reprodução humana assistida e sua aplicação post mortem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 87. [5] BERALDO, Anna de Moraes Salles. Reprodução humana assistida e sua aplicação post mortem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 87. [6] SCALQUETTE, Ana Cláudia S. Estatuto da Reprodução assistida. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 322. [7] FILHO, José Roberto Moreira. O Direito Sucessório e as Novas Tecnologias Reprodutivas no Brasil e na América Latina. In: ROSA, Conrado Paulino et al. Temas do dia a dia no direito de família e sucessões. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2017. [8] LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 223. [9] SCALQUETTE, Ana Cláudia S. Estatuto da reprodução assistida. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 312.


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